Os materiais do PNAIC 2015 apresentam
a perspectiva de uma abordagem histórica dinâmica que ultrapassa os limites dos
livros didáticos e enciclopédias. Essa abordagem pode ser construída e vivenciada
por todas as pessoas desde a infância, pois nela se destaca sua característica
processual.
A História não se vincula apenas
ao passado e sua aprendizagem não pode ser relacionada apenas a estratégias de
repetição visando à memorização de fatos e datas que, em geral, evidenciam
apenas determinados grupos.
A compreensão do passado é essencial à aprendizagem
de História, entretanto, sua análise é inter-relacional. Um fato só pode ser
compreendido se analisado sob o prisma do seu contexto, dos conflitos vividos
pelos sujeitos históricos em determinado território, em determinada época, suas
causas e consequências para diferentes grupos sociais.
No encontro PNAIC, os professores
alfabetizadores puderam refletir, desconstruir e construir conceitos sobre o
ensino de História no Brasil. Para tanto, foram estimulados a rememorar suas lembranças de estudantes e analisar as
imagens a seguir percebendo que representações elas nos permitiram construir sobre
determinadas personalidades, fatos históricos e indígenas brasileiros.
Da mesma maneira, a análise da
representação dos povos escravizados comprova injustiças, pois relaciona sua felicidade à assinatura da Lei
Áurea, invisibilizando a
falta de oportunidades, o preconceito e a discriminação que os impediram de
vivenciar com sucesso essa "liberdade". Liberdade sem emprego, sem moradia, sem
condições de sobrevivência, sem representação de sua beleza, coragem e cultura, geralmente reduzida a folclore e exoticidade.
Ao longo da história do ensino de
História que personalidades foram destacadas e associadas a heroísmos,
dignidade, força? O Stop Histórico proposto aos professores alfabetizadores
comprovou a condição de negligência às figuras femininas,
africanas ou afrodescendentes, populações indígenas, religiões de matrizes
africanas, indianas entre outras. Por que será que diante de perguntas sobre personalidades de outros tempos não nos lembramos com facilidade de mulheres, indígenas, negros, religiões indígenas ou afro-descendentes, impérios africanos?
Qual a intencionalidade de
algumas representações que destacam o poder de homens brancos de ascendência
europeia, com alto poder aquisitivo, moradores de áreas urbanas, heterossexuais,
católicos e ignoram ou apresentam em condições inferiores as demais identidades? O que essa aparente escolha ingênua constrói em corpos e mentes dos brasileiros
ao longo dos anos de escolarização?
Essas considerações reforçam a
necessidade de que o ensino de História na atualidade garanta a justiça
curricular e se paute na investigação, reflexão, construção e registro de conhecimentos (escrita, desenhos, gráficos, oralidade) em vez da repetição de um único conhecimento.
Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 representou um grande avanço ao preconizar os seguintes princípios da Educação Básica:
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
Esses princípios incluem a consideração da diversidade étnico-racial e, embora tenham representado avanço importante, não garantiram a justiça curricular, por isso, outras leis foram sendo reivindicadas e conquistaram a alteração de artigos importantes da LDB. Esse é o caso da Lei 10639/2003 que instaura a obrigatoriedade de inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", ampliada pela Lei 11645/2008 que inclui também a obrigatoriedade do ensino da Cultura Indígena.
Entretanto, ao longo da história, as leis surgem como resultado de lutas e conflitos, mas não garantem que mudanças se efetivem na cultura escolar, por isso, a inclusão do ensino das culturas afro-brasileiras e indígenas precisa ser compreendida de maneira ampla e não se vincular apenas a datas comemorativas sem ressonância no cotidiano da escola.
No link https://educarparaerer.wordpress.com/, organizado pelo Núcleo Étnico-Racial de SME/SP, é possível ter acesso a textos e vídeos que ampliam nosso olhar sobre as temáticas e possibilitam experiências pedagógicas inovadoras e importantes. Outra boa referência pode ser encontrada no link http://www.axa.org.br/2015/04/dia-do-indio-10-sugestoes-de-atividades-para-escolas/
A fim de promover a vivência da metodologia investigativa, professores e professoras participantes do PNAIC analisaram fontes históricas selecionadas pelo grupo de Orientação de Estudos da DRE Campo Limpo. Em equipes, os(as) professores(as) construíram hipóteses em busca de respostas às seguintes questões orientadoras:
- Que objeto é esse?
- O que revela sobre o sujeito que o produziu e sobre o tempo histórico em que foi produzido?
- Que outras perguntas podem ser feitas a esse objeto?
O resultado da investigação foi muito enriquecedor, mas o que se destacou foi o processo investigativo por meio do qual professores e professoras interagiram, relembraram fatos de infância, de antepassados e da história do Brasil, relacionaram informações e, sobretudo, divertiram-se muito.
Após compartilharem suas experiências, puderam coletivamente construir conceitos sobre História, Historiografia, Sujeito Histórico, Passado e Fontes Históricas. Esses são conceitos fundamentais ao ensino de História e foram aprofundados pela proposta de leitura complementar do texto "Reflexões sobre o ensino de História: fundamentos e práticas" escrito pela formadora PNAIC Bárbara Barbosa Born.
"História – Embora esse conceito
possa parecer óbvio, não há exatamente um consenso em torno de sua definição.
De fato, as diferentes interpretações que se fazem do mesmo determinam aquilo
que se pretende ensinar. Bloch (2001), em sua clássica definição, questiona a tradicional
ideia de que a história seria
“a ciência do passado”. Ora, sobre o
passado, entendido cronologicamente, podem existir inúmeras interpretações, a
depender para qual objeto se olhe. Ele defende que a trata-se não da ciência do
passado, mas da ciência do homem no tempo.
Afinando mais essa definição, é possível dizer que a História é sempre um modo
de representar (por se tratar sempre de uma interpretação) a experiência humana
no tempo.
Historiografia – O
registro dessa experiência humana no tempo, por sua vez, se dá por meio da
seleção, da escolha de fatos a serem narrados, de fontes a serem analisadas, de
caminhos metodológicos e interpretativos que possam ser utilizados. Essa escrita da história corresponde à
historiografia, um conceito polissêmico, mas que de um modo geral, procura
demarcar que toda interpretação da história responde a um determinado tempo,
carrega as marcas daqueles que a fazem. Assim, um determinado texto sobre a
Segunda Guerra Mundial (por ex., Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm)
corresponde não à descrição factual daquilo que ocorreu, mas a uma leitura
pautada em uma tradição historiográfica (no caso desse autor, marxista) sobre o
assunto.
A
premissa da historiografia deve ser compreendida não apenas no âmbito da
produção acadêmica, mas na própria constituição dos saberes escolares ou da
“cultura escolar” (GOODSON, 2013). Se considerarmos que se trata de um olhar
lançado para o passado a partir do presente, as crianças também serão
produtoras de saberes históricos e, portanto, historiográficos. Pinsky e Pinsky
(2013, p. 23) destacam que olhar sobre o passado deve “partir de questões que
nos inquietam no presente (caso contrário, estudá-lo fica sem sentido).
Portanto, as aulas de História serão muito melhores se conseguirem estabelecer
um duplo compromisso: com o passado e com o presente”.
Sujeito Histórico –
Lançando olhares diferenciados sobre o passado, é importante refletir sobre o
lugar ocupado pelos indivíduos na produção da História. Trata-se, pois, de
demarcar que meninos e meninas, enquanto seres ativos no mundo, são sujeitos históricos, ou seja, produtores
de experiências ao longo do tempo. Essa perspectiva está diretamente
relacionada à ideia de que todos os cidadão possuem sua importância na
construção das relações sociais, e pressupõe um rompimento com a História dos
“heróis” ou “grandes vultos”. Trata-se, pois, de aspecto fundamental para a
construção de identidades sociais e pessoais. Contudo, só se efetiva na medida
em que o espaço de conhecimento das ações humanas ao longo do tempo está aberto
para diferentes ancestralidades e culturas: é preciso ver-se ver representado
para sentir-se sujeito.
Passado –
Em seu ensaio “O sentido do passado”, Hobsbawm (1998, p. 22) destaca uma
premissa fundamental para o Ensino de História:
Ser membro de uma
comunidade humana é situar-se em relação ao seu passado (ou da comunidade)
ainda que apenas para rejeitá-lo. O passado é, portanto, uma dimensão
permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições,
valores e outros padrões da sociedade humana.
Não
é possível pensar em História sem pensar em passado, embora esse não exista
enquanto fato, de maneira absoluta e estática. Tudo aquilo que definimos como
passado é sempre uma seleção das infinitas possibilidades existentes em um
momento pregresso, aquilo que foi capaz de ser lembrado ou que se fez questão
de lembrar. Ele está sempre em diálogo com o presente, seja para justificá-lo,
seja para rechaçar as mudanças. Por vezes ele atua como um padrão, em outras,
apenas como um modelo. O passado é, segundo o autor, uma referência analítica
para as mudanças atuais.
Fontes Históricas –
Considerados todos os fundamentos anteriormente apresentados, resta o fato de
que para conhecer qualquer experiência humana em um tempo que não seja o nosso
– portanto, passado – é preciso debruçar-se sobre um determinado registro da
mesma. Esses registros primários são as chamadas fontes históricas. Até pouquíssimo tempo (dentro de uma perspectiva
histórica) eram consideradas fontes válidas para o conhecimento do passado
apenas os registros escritos. Isso era bastante pertinente dentro de um modelo
de valorização da história das elites e dos grandes nomes, presentes
especialmente em uma tradição historiográfica positivista.
Particularmente
a partir da década de 1930, contudo, a abertura para uma história das
mentalidades e das culturas direcionou o historiador para a análise de outras
fontes que também “contassem” sobre a experiência de outros grupos sociais não
letrados. Assim, para além das fontes escritas, hoje são amplamente utilizadas
fontes materiais, iconográficas e orais.
Especialmente
no desenvolvimento da alfabetização histórica na perspectiva do letramento,
faz-se importantíssimo o uso de diferentes fontes, capazes de revelarem as
vozes de sujeitos distintos na construção da História."
Bárbara Barbosa Born
Durante o encontro PNAIC, destacou-se a necessidade de uma alfabetização histórica na qual as antigas atividades vinculadas à repetição e memorização cedem espaço à investigação, exposição e validação de hipóteses. Essas experiências precisam ser vivenciadas desde a Educação Infantil para evitar que se perpetuem histórias únicas sobre determinados grupos, bem como garantir a justiça curricular fundamentada na representação da diversidade e da interculturalidade no cotidiano escolar e, por conseguinte, na sociedade.
Os direitos de aprendizagem de Ciências Humanas confirmam a importância de que o ensino de História garanta o direito de que estudantes do Ciclo de Alfabetização possam:
I – Situar
acontecimentos históricos e geográficos, localizando-os em diversos espaços e
tempos;
V – Apropriar-se de
métodos de pesquisa e de produção de textos das Ciências Humanas, aprendendo a
observar, analisar, ler e interpretar diferentes paisagens, registros escritos,
iconográficos e sonoros;
VI – Saber elaborar
explicações sobre os conhecimentos históricos e geográficos utilizando a
diversidade de linguagens e meios disponíveis de documentação e registro.
Para finalizar esse encontro, nada melhor que o vídeo de Chimamanda Adichiê, escritora nigeriana que relata a partir de suas experiências de vida o perigo de uma única história. Vale a pena ver, ouvir e refletir de novo!!
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