terça-feira, 15 de novembro de 2016

AVALIAR A LEITURA E A ESCRITA PARA ALÉM DE LETRAS E SÍLABAS CANÔNICAS E NÃO CANÔNICAS

A leitura do texto "O alienígena que queria aprender a ler" de Luiz Carlos Cagliari proporciona avanços nos questionamentos sobre a aprendizagem do Sistema de Escrita Alfabético (SEA) e por isso foi proposto aos cursistas PNAIC 2016.


No texto,  ficam evidentes as incoerências de um processo de aprendizagem da leitura e da escrita fundamentado na redução do SEA a um código supostamente aprendido linearmente por meio da memorização de letras e sílabas canônicas (ou simples) e não canônicas (ou complexas).

Afinal por que historicamente cristalizou-se a concepção de que é mais simples aprender primeiramente o alfabeto, depois sílabas constituídas por consoante e vogal, depois sílabas com outras constituições e finalmente palavras? 

Essa visão cartesiana mostra-se bastante limitada quando nos deparamos com as indagações que o alienígena fez ao professor e para as quais não há respostas na cartilha. 

São essas indagações que precisam ser ampliadas entre educadoras e educadoras e que evidenciam a urgência de estudos sobre o processo de alfabetização.

Durante o PNAIC 2013, ampliamos os conceitos sobre alfabetização e letramento. Hoje podemos situar o letramento como um processo que se inicia desde o momento em que interagimos com o mundo e que, de forma geral, transcende a linguagem escrita. A alfabetização, entretanto, é um processo escolar vinculado às estratégias de ensino do SEA, mas que, apesar dos avanços, ainda se mantém concentrado em estratégias de cópia e repetição.

Talvez um dos grandes problemas da escola é que, em virtude do discurso de urgência da aprendizagem da técnica de escrita, as crianças pouco são estimuladas a vivenciar a leitura e a escrita em contextos significativos. 

É muito comum que a escola seja o local das representações, onde se copia muito e pouco se cria, onde se escrevem cartas e bilhetes que nunca chegam a seus destinatários, textos e textos que são apenas para leitura e avaliação dos/das docentes, em suma, as experiências de escrita geralmente são vividas sem um contexto funcional e com o corpo imóvel sentado na cadeira defronte um livro e/ou caderno.

É fato que a leitura e a escrita são demandas de ensino da escola, mas, uma vez que estamos com crianças, é importante nos indagarmos sobre como favorecer esse processo em um contexto lúdico no qual as avaliações não reforcem classificações como "fortes" e "fracas", "boas" ou "ruins", "alfabéticas", "com valor", "sem valor" ou "pré-silábicas". Essas classificações efetivamente contribuem com as aprendizagens?

O vídeo "Fala e escrita" pode ampliar esses questionamentos. 



No vídeo, o linguista Luiz Antônio Marcuschi é categórico ao afirmar que a escrita não é a representação da fala. A escrita é uma convenção, um sistema caracterizado por regularidades e irregularidades. Não há portanto hierarquia de saberes entre oralidade e escrita, não há concorrência, pois são formas complementares, aliás, a escrita surge muito depois da oralidade e não lhe é, em hipótese alguma, superior.

A chamada norma padrão, portanto, corresponde e faz sentido apenas na escrita e por isso há dicionários e gramáticas normativas que regularizam seu uso. 

A supervalorização na oralidade de uma variante linguística mais próxima à chamada norma padrão só tem sentido em uma sociedade de classes na qual há grupos sociais mais valorizados que outros, em geral, aqueles que detêm o poder econômico e podem fazer circular sua variante linguística e sua cultura. Discriminar alguém pelo seu modo de falar, julgá-lo inferior, portanto, é efeito de um preconceito linguístico.

O ensino da língua escrita, portanto, só pode ocorrer em um ambiente em que a oralidade é valorizada e no qual a escrita tenha sentido socialmente, assim como as demais formas de expressão: dança, canto, teatro, pintura etc. 

Fatiar a língua em pedaços torna o processo de aprendizagem da escrita muito mais complexo para as crianças, pois, simplesmente, não há como atribuir sentido à memorização do "ba-be-bi-bo-bu".

E você? O quanto tem estudado sobre esse assunto em sua unidade? 
Já pensou em uma sala de aula em que a configuração preponderante não corresponde a carteiras enfileiradas? Já pensou em uma turma na qual os/as estudantes não estão realizando as mesmas ações ao mesmo tempo sob o mesmo comando? Já pensou em uma escola sem filas, sem sinal sonoro? O que tudo isso tem a ver com alfabetização e letramento? E com a avaliação das aprendizagens?

A bibliografia a seguir pode contribuir com esses estudos:


CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Bá - Bé - Bi - Bó - Bu. São Paulo: Scipione, 1998. prefácio disponível em https://pt.scribd.com/doc/175717083/ALFABETIZANDO-SEM-O-BA-Be

FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. São Paulo: Ed. Vozes, 1997. Disponível em https://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/121335/mod_resource/content/1/Foucault_Vigiar%20e%20punir%20I%20e%20II.pdf

MORAIS, A. G., ALBUQUERQUE, E.B.C., LEAL, T. F. (ORG) Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte: Autêntica. Disponível em http://www.serdigital.com.br/gerenciador/clientes/ceel/arquivos/20.pdf

MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso. A institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola. Campinas, SP: Mercado das Letras; São Paulo: FAPESP, 2001.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Alfabetização no Brasil: uma história de sua história. São Paulo : Cultura Acadêmica ; Marília : Oficina Universitária, 2011. Disponível em http://www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/alfabetizacao.pdf

SILVA, Mariza Vieira. História da alfabetização no Brasil: a constituição de sentidos e do sujeito da escolarização. Tese (doutorado). Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem, 1998. Disponível em http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?view=vtls000132179

SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez, 2013.


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